III FESTA LITERÁRIA DE MARECHAL DEODORO - 3ª FLIMAR

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quinta-feira, 23 de junho de 2011

PARTE DE UMA ENTREVISTA COM O ESCRITOR LUIZ RUFFATO. ELE ESTARÁ NA MESA 14 - "OBJETIVIDADE E IMAGINAÇÃO -A ESTÉTICA JORNALÍSTICA" COM LUÍS PIMENTEL

Luiz Ruffato: Operário da Palavra
Ramon Mello, Araruama (RJ) · 16/1/2009 · 2
Tomás Rangel
Por Ramon Mello

‘Eles eram muito cavalos’ foi o primeiro livro de Luiz Ruffato que tive acesso, por indicação da escritora Adriana Lisboa. Na ocasião, durante uma oficina literária, confesso que não entendi o romance e, logo, o classifiquei como chato. Dois anos depois, reli o livro que, atualmente, considero o melhor retrato da produção literária contemporânea. Leio, releio e indico, sempre.

Por conta da paixão por esse livro, cultivei o interesse em entrevistá-lo e passei a ler toda sua obra. Enfim, a possibilidade do encontro surgiu em novembro de 2008, quando Ruffato encontrava-se no Rio de Janeiro para o lançamento de ‘Livro das Impossibilidades’, o quarto volume da coleção Inferno Provisório.

Conversamos na recém-inaugurada livraria do Estação das Letras, no Flamengo, da poeta Suzana Vargas. Além de recordar a infância em Cataguases, Ruffato analisa o cenário da literatura atual e acentua o papel político do seu ofício: escritor, um operário da palavra.

Também publicado na França, Itália e Portugal, Luiz Ruffato é, sem dúvida, um dos grandes nomes da literatura brasileira. Ler seus livros, ou as antologias organizadas por ele, é obrigação para quem deseja entender o que é o Brasil hoje.

Você já foi pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros, autônomo e, agora, é escritor. Como foi essa transição até chegar à literatura?

LUIZ RUFFATO – Na infância, eu não sabia o que era ser um escritor. Então, eu nem podia querer ser escritor. Minha mãe e meu pai são do interior, de cidades próximas a Cataguases, cidade onde nasci, no interior de Minas Gerais. Eles foram morar em Cataguases, uma cidade industrial, vendo a possibilidade de ter uma vida mais digna. Eu comecei a ter consciência que o único caminho era estudar. E o sonho dos meus pais era que os filhos se formassem numa profissão que desse um dinheiro efetivo. Na época, eu tive a possibilidade de entrar no Senai que produzia mão-de-obra para São Paulo, na região de Diadema, São Bernardo e Santo André. Essa região para mim era mítica, eu já sabia dessas cidades todas antes de conhecê-las. Para que eu pudesse fazer tornearia mecânica eu tive de trabalhar em outras coisas, meu pai não tinha uma entrada fixa de dinheiro. Ele era pipoqueiro, mas não era o primeiro grande pipoqueiro da cidade: era o segundo pipoqueiro. Havia a praça principal e uma praça secundária onde meu pai trabalhava. Quando chegava época de chuva meu pai não podia trabalhar e minha mãe sustentava todos os filhos como lavadeira.

Quantos irmãos?

LUIZ RUFFATO - Éramos três: eu, meu irmão e minha irmã. Mas meu irmão morreu muito cedo, aos 26 anos. Eu conto um pouco essa história no livro ‘De mim já nem se lembra’... Então, na verdade comecei a trabalhar com meu pai aos seis anos. Depois, aos 15 anos, fui trabalhar na indústria têxtil, com algodão hidrófilo. Quando me formei em tornearia mecânica, não tive a oportunidade de ir para o ABC por causa das grandes greves. Não havia muita opção, eu acabei indo para Juiz de Fora. Essa mudança foi importante para que eu pudesse me ver fora da cidade: olhar para Cataguases e não me ver mais lá.

Eu sou de Araruama, interior do estado do Rio de Janeiro. Percebo uma relação muito estranha quando volto a minha cidade, um olhar crítico.

LUIZ RUFFATO – Sim, é estranho. Um olhar crítico, apesar da profunda relação afetiva. Você não consegue ter mais uma relação boa com a cidade. (risos) Mas essa vivência desaguou na escrita literária específica que tento caminhar.

Você teve algum incentivo para se dedicar a literatura?

LUIZ RUFFATO – Não. Eu estudei, até a 6a. série, em colégios muito ruins. Uma vez, ajudando meu pai no carrinho de pipoca, um homem olhou para mim e falou: “Que menino bonitinho. Você estuda onde?”. Meu pai entrou na conversa: “Ele não estuda no Colégio Cataguases porque nunca tem vaga...” O homem mandou meu pai aparecer no colégio, que ele arrumaria uma vaga – o cara era o diretor da escola. Nos anos seguintes eu fui estudar nessa escola, mas não me adaptei. Era outro mundo, com pessoas muito diferentes de mim. Fiquei tão perdido naquela escola que comecei a me refugiar no único lugar que não havia ninguém: a biblioteca. A moça que trabalhava na biblioteca não sabia que eu entrava ali para me esconder, ela achava que eu queria ler livros e tinha vergonha de dizer. Certo dia, ela pegou o livro e me deu. E eu, por educação, peguei o livro. Já que a moça me deu o livro, eu li. E ela achou que eu gostei e me deu outro. Ficou nessa coisa e achei interessante. Mas no final do ano eu saí dessa escola e parei de ler. Só voltei a me interessar por leitura, de verdade, na faculdade.

Você é formado em jornalismo.

LUIZ RUFFATO – Fiz jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi quando descobri que não sabia porra nenhuma, nada. Entrei na universidade e levei anos só lendo. Comecei lendo muito Física, Química, Zoologia. Depois li muita Literatura.

Você não conhecia nenhum escritor? Não havia referência?

LUIZ RUFFATO – Não. Conhecer pessoalmente? De jeito nenhum. Eu sabia da existência escritores acadêmicos, bem mais velhos.

Algum livro especial?

LUIZ RUFFATO – Acho que eu não tinha consciência. Minha leitura era intuitiva, havia coisas que eu gostava e que não gostava. Mas eu não sabia dizer o porquê. E comecei a pensar que um dia gostaria de escrever. E me perguntava: Se eu for escrever, será sobre o quê? Pensei na vida operária, era o que eu conhecia. Passei a procurar tudo sobre a vida operária e levei um susto, não havia literatura sobre o assunto. Nada. Esse foi o primeiro baque que tomei.

E isso não foi bom?

LUIZ RUFFATO – Foi bom por descobrir que não tinha nada. Foi ruim por perceber como é a sociedade brasileira: estratificada. Aí vão falar de Jorge Amado. Mas é diferente. Existe uma literatura, que acho ruim sobre o ponto de vista estético, que fala sobre militância operária e política. Quando falo de vida operária, quero saber como determinada classe operária percebe a história. Operário é aquele que trabalha na indústria e mora na cidade. Veja bem: operário não é camponês. Por exemplo, a representação de marginais, bandidos e malandros na literatura brasileira é imensa, como herói. Uma visão extremamente romântica, perigosa inclusive. Sobre o operário não tinha nada. Decidi trabalhar esse tema. Mas isso não resolve o problema porque o tema era fácil. E como resolver essa questão? Por onde vou caminhar? Intuitivamente, fui lendo história da literatura e teoria literária. E um autor me apontou o caminho: Machado de Assis. Ele é um autor muito generoso. Ao contrário de Guimarães Rosa, por quem sou apaixonado. Em ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ encontrei o caminho. É o que (Harold) Bloom chama de “angústia da influência”. Ou seja, como um autor que vem antes fala de alguém que vem depois. Machado disse: vai ler fulano, fulano e fulano. Existe uma tradição de uma literatura não tradicional. E, para mim, começa com Cervantes. Então, depois do Machado, fui caminhando com Joyce... Tentei, pegando a tradição da literatura “experimental”, fazer um romance coletivista, sem um personagem principal e com várias vozes e possibilidades. Tento fazer com que o leitor tenha uma importância tão grande quanto o leitor, por isso as histórias não terminam. E só resolvi isso na prática com ‘Eles eram muito cavalos’. Assim, encontro a solução para escrever ‘Inferno Provisório’.

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